Dados da Rede de Pesquisa em Soberania Alimentar (Rede Penssan) revelam que número quase dobrou em relação a 2020
Matéria de Rodrigo Carvalho
Agência Nordestina de Notícias (ANN)
Essa é a segunda de uma série de reportagens sobre o avanço da fome no Piauí e no Brasil. Na segunda-feira (1º), você viu que em Guaribas, cidade modelo do Fome Zero, os moradores ainda sofrem com a fome e o descaso.
Dados do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) e divulgado no início deste mês, mostram que o país soma cerca de 33,1 milhões de pessoas sem ter o que comer diariamente.
O índice representa quase o dobro do contingente em situação de fome estimado em 2020. Em números absolutos, são 14 milhões de pessoas a mais passando fome no Brasil.
Mas qual seria o motivo de após quase duas décadas do lançamento do programa que prometia erradicar a fome no país, o Fome Zero, nos depararmos com números tão alarmantes? O sociólogo Francisco Farias explica que o problema é estrutural e político.
“Essa questão envolve elementos estruturais e também da conjuntura do país. O Brasil possui um aspecto histórico que diz respeito ao mercado de trabalho: a população não foi integrada nos processos de modernização, desde a industrialização até a financialização da economia”, aponta.
A diretora regional da Rede Penssan, Norma Sueli, acrescenta que o Fome Zero, em sua concepção, foi muito bem executado no começo e poderia, se tivesse continuado, ter atingido resultados melhores no enfrentamento da fome.
“O Fome Zero teve sua origem na sociedade civil e foi abraçado pelo governo Lula, eleito à época. Inicialmente, foi muito mal visto como puro assistencialismo, mas ia muito além disso. Contemplava duas frentes de ações: políticas estruturantes e emergenciais. No entanto, não teve continuidade”, lamenta.
Além disso, Norma observa que, com o fim do programa, outras medidas de combate à fome deixaram de ser realizadas tanto nas esferas federal quanto estadual.
“As medidas que poderiam prevenir e reverter quadros de insegurança alimentar em todo o estado deixaram de ser prioridade. Hoje, por exemplo, não temos mais o Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) ativo; a Coordenadoria de Segurança, reduzida a um estafe de diretoria dentro da Secretaria de Assistência Social (Sasc), não desenvolve programas estruturantes”, afirma.
Francisco, por sua vez, compara a realidade do Brasil com a de outros países e indica que programas como o atual Auxílio Brasil não são suficientes para atender às demandas da população.
“O que acontece no exterior é o aprofundamento da lógica do benefício. Não é somente renda mínima, mas renda básica, à qual a população, participante da comunidade política, têm direito a fim de não precisar se submeter a processos de degradação e violação da própria dignidade”, ressalta.
A reportagem da Teresina FM entrou em contato com a Secretaria de Estado da Assistência Social (Sasc) e questionou sobre o fim do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Em nota, a pasta disse que o conselho é de caráter permanente e que a secretaria propôs, em março deste ano, através de plenária, a sua reativação.
Durante a reunião, os membros da Sasc decidiram que uma eleição deve ocorrer para compor o Consea, faltando somente a sanção, por parte da governadora Regina Sousa (PT), da lei que traz alterações a respeito do funcionamento do conselho.
Na terceira reportagem, que sai nesta quarta-feira (3), você confere que, além do interior do estado, a fome é uma realidade na capital Teresina.