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Bolsonaro cultiva o eleitorado com suas “maluquices”

12 de junho de 2019
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Desenho: Gervásio

Faz um certo tempo e eu não compreendi na época. Estava com um paulista que visitava o Rio e ele atacava com muita raiva a prefeitura de Haddad. Numa conversa, tentando compreender aquela raiva – que já era ódio – o cara exemplificava a discordância na diminuição da velocidade das marginais e nas ciclovias que atrapalhavam o trânsito. Fiquei sem compreender o “não se pode dirigir mais em São Paulo” irascível que refutava o argumento de uma regulamentação civilizatória necessária, notadamente quando essa regulamentação diminui a taxa de mortalidade da via pública, e só agora é que a minha ficha começou a cair.

Enquanto o ministro Paulo Guedes era sabatinado pela oposição e lambido pelos governistas tentando passar o fim da aposentadoria solidária numa comissão parlamentar – proposta basal da governabilidade segundo a tese governista –, Bolsonaro negociava com o presidente da Câmara um projeto de lei que desregulamenta as leis de trânsito (ponto na carteira de habilitação, fim de pardais, extinção de exames toxicológicos para caminhoneiros, fim das cadeirinhas de crianças no banco traseiro, talvez a extinção do cinto de segurança e a autorização para dirigir embriagado).

A princípio eu estranhava a passividade do Rodrigo Maia em receber o que me parecia uma tamanha maluquice, enquanto Guedes se esforçava para aprovar a razão do neoliberalismo ter contribuído para a eleição de Bolsonaro. Segundo outros incomodados com a situação, Bolsonaro nos distraía com suas bizarrices, enquanto Guedes e o congresso nos enfiavam goela abaixo o pior desejo sórdido de exploração neoliberal. De qualquer forma, concordávamos que as maluquices de Bolsonaro só reafirmavam sua inaptidão para o cargo de presidente.

A ficha ia caindo enquanto lembrava que todas as atitudes “presidenciais” de Bolsonaro foram de desregulamentar: acabar com o estatuto do desarmamento que regulamentava a comercialização e uso de armas; desregulamentar a utilização dos agrotóxicos com risco de envenenamento de nossa produção agrícola; desregulamentação de direitos trabalhistas, permitindo que se façam contratos onde o funcionário possa “optar” para não ter férias e 13º salário; desregulamentar o desmatamento da Amazônia, podendo causar um crime ambiental de proporções incalculáveis; desregulamentar a demarcação de terras indígenas, deixando os nativos perderem seu habitat; desregulamentar os movimentos sociais, permitindo sua criminalização; abolição do Ministério do Trabalho, que regulamentava as leis trabalhistas; desregulamentar o tratamento para AIDS e para usuários de drogas permitindo a internação involuntária destes e a apressar o extermínio dos “aidéticos”; etc. etc.

O processo civilizatório necessita de regulamentações para a proteção da vida, dos mais frágeis, dos carentes; regular direitos, costumes para convivência social, o uso dos bens comuns, da propriedade; a necessidade de deveres para todos, que garantam o direito das minorias para que não sejam arrastadas para guetos. Enfim a regulamentação exige a submissão a regras, postula deveres, para garantir direitos. Para que sejamos todos cidadãos.

Então me lembrei do paulista, meu conhecido, e seu ódio por uma prefeitura que exigia submissão a regras, que postulava deveres. Essas exigências do processo civilizatório soavam como se tirassem os seus direitos para impor direitos de minorias. Ora, numa sociedade escravista como a nossa, os herdeiros culturais dos donos de escravos não querem aceitar regras ou deveres. Essas, só para os descendentes de escravos, essa gente sem costume que precisam de regras para saber o seu lugar.

A sociedade escravista, tão bem dissecada por Jessé Souza, é composta por uma camada que se acha de maioria branca, hetero, machista, com direitos hereditários sobre educação, saúde, emprego, moradia, lazer e que não precisa de regulamentações para garantir direitos de uma minoria, seja ela de gays, feministas, negro azougado, indígena zangadiço, pobre conflituoso.

E essa camada odienta, que saiu do armário com raiva porque seus direitos de mando estavam correndo perigo, elegeu Bolsonaro. E ela, que se acha composta por homens “de bem” pode andar armada para se defender dos bandidos; deve aumentar a produção usando agrotóxico que não matam ninguém dos seus; desmatar para a produção porque esse negócio de clima é ideológico; tirar indígenas improdutivos de terras produtivas; não ter que dar férias ou 13º ao empregado com a desculpa de empregar mais; aposentadoria é para quem pode poupar para a velhice; pardais são só caça-niqueis; meus netos eu sei proteger no banco de trás sem essa frescura de cadeirinha; velocidade eu sei controlar; ciclovias é boa para Amsterdã, aqui só atrapalha. Vão regulamentar a puta que os pariu!

Caiu a ficha e eu entendi agora aquele conhecido paulista com ódio da velocidade mínima nas marginais e das ciclovias que atrapalhavam o trânsito. Nem o vejo mais. Votou em Bolsonaro.

E Bolsonaro não está fazendo nenhuma maluquice. Tá só cultivando o eleitorado que foi apoia-lo num domingo verde-amarelo. Precisa deles para que Guedes nos torne escravos do neoliberalismo.

 

Edmar Oliveira

psiquiatra, blogueiro, aprendiz de escritor, leitor contumaz, comunista utópico, socialista desejante

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desenho: Gervásio

 

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